Alan Oju
Percursos, Desejos
e Dilação
30 de novembro
Acervo On-line

Do físico ao virtual: como transpor?

Em abril de 2020, aconteceria a exposição “Desejos Ltda.” no MUnA, evento adiado devido ao contexto sanitário da Covid-19. Diante da suspensão das atividades presenciais do museu e das incertezas de uma reabertura em um cenário pouco favorável, o conselho do MUnA optou por promover atividades on-line e me fez o convite para produzir uma exposição virtual. Aceitei o convite como quem assinava um cheque em branco e, desde então, passei a me perguntar como produzir uma exposição virtual sem recorrer a simulacros da realidade, com obras que necessitam do espaço físico para relações entre corpos. Sendo assim, como mostrar obras em um site sem que se pareça apenas com um portfólio? Como organizar uma exposição on-line que irá para o espaço expositivo posteriormente, sem que esta construção atue como um “spoiler”, despotencializando o que está por vir? Em meio a tais dúvidas e pensamentos, decidi propor uma ABERTURA DE PROCESSOS e escancarar as portas da pesquisa em andamento.

Alan Oju (novembro de 2020).


Trapos, 2019-2020

Tinta sobre tecido, madeira, barbante,
ferro e fita hellerman.
Medidas variáveis.

No começo de 2020, produzi algumas intervenções urbanas na cidade de Uberlândia, MG, processo este interrompido pela pandemia. Eu previa executar 12 intervenções na cidade, para produzir um diálogo da exposição no espaço privado do museu com o espaço público da rua. De lá pra cá, tudo mudou e, atualmente, o trabalho está em suspensão, restrito ao fotográfico. Estas intervenções que apresento são a continuação da série Trapos, trabalho cuja operação poética se faz primeiramente com apropriações de frases publicitárias de anúncios de empreendimentos imobiliários, que, ao serem pintadas nas faixas de panos e lançadas no espaço urbano, constroem sentidos abertos.

A série já passou pelas cidades de Goiânia, GO, e São Bernardo do Campo, SP, em 2019, e Rio de Janeiro, RJ, em 2020.


“Preconícios de Desejos” é um desdobramento da série “Trapos” e estava prevista para ocupar o centro da galeria do MUnA em 2020. A obra consiste em uma instalação - ainda inédita - composta por “faixas de panos”, em cores diversas, contendo frases pintadas à mão, e suspensas por vergalhões de ferro fixados sobre bases de concreto.

A maioria das frases que compõem a instalação chegou até mim via entregadores em semáforos da Grande São Paulo. Ao deslocar as frases do contexto publicitário e situá-las no espaço expositivo com a instalação, pretendo problematizar os agenciamentos de enunciação do espaço urbano; e como a cidade repercute na produção de subjetividade do sujeito por meio de regimes semióticos que produzem sentidos, identificações e maneira de perceber o mundo, capazes de direcionar escolhas e modos de vida, efetuando o que o filósofo Maurizio Lazzarato nomeia de “servidão maquínica”.


Coletivo Suspenso, 2020

Tinta automotiva sobre aço galvanizado. 2 x 3 x 0,02 m

“Coletivo suspenso” é um conjunto de 23 peças em aço galvanizado, moldadas à mão durante os dias mais intensos do isolamento social. As formas de cada unidade são inspiradas em plantas baixas de casas ou apartamentos em condomínios residenciais, retiradas dos mesmos anúncios que originam os trabalhos “Trapos” e “Preconícios de desejos”.

Os contornos das peças são pintados com tinta automotiva, enfatizando seus limites, fazendo referência às balizas das moradias, às molduras dos nossos universos de intimidade. Ao instalar as peças no espaço da parede, pretendo construir uma paisagem suspensa, uma unidade composta de formas singulares que, juntas, formam um só corpo, um povoamento.


Processos e Pesquisas


Intimidade Cromática, 2020

Tinta hidrocryl sobre algodão e madeira. 2,10 x 1,20 x 0,01 m

“Intimidade cromática” é um estudo sobre cores e linhas, de relações que se opõem e se complementam no espaço bidimensional.

Esta obra, assim como quase todas as outras apresentadas nesta abertura de processos, funciona com maior potência no espaço físico, pois requer do espectador aproximações e distanciamentos para a experiência óptica.

As linhas de cada unidade são resquícios de plantas baixas retiradas de propagandas impressas de casas e apartamentos em condomínios residenciais. Excluí as linhas das paredes externas das plantas baixas (processo negativo ao de “Coletivo Suspenso”), deixando apenas as linhas que separam os ambientes privados de cada moradia: linhas e arestas de intimidades construídas.

Apesar deste breve relato, penso que a obra possui outros disparadores de leituras que independem da sua origem processual. É também um trabalho de abstração.


Processos cartográficos
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Nos muros de nós mesmos / Nos muram de nós mesmos, 2020

Fotografia digital
Dimensões variáveis
Registro de intervenções realizadas na cidade de Uberlândia, MG, no começo de 2020.
Processos Cartográficos

A praça da Bíblia é uma das portas de entrada da cidade de Uberlândia. Situada em frente ao terminal rodoviário interestadual da cidade, o espaço da praça contrasta com a agitação da rodoviária. Nos dias em que estive ali, sempre me pareceu um terreno quase desértico e tenso. A ausência de usuários no espaço, com exceção de alguns moradores de rua, me despertava uma sensação de desconforto, como forasteiro.

Ao “buscar algo” na cidade, encontrei este chafariz desativado, um monumento hostil, que parece dizer muito sobre a ideologia hegemônica presente naquele espaço público.

O retrato que compõe o pequeno ensaio fotográfico é de Gediel Almeida. Ele veio até mim quando eu circulava a “escultura” pública e pediu para eu fotografá-lo e divulgar sua imagem para que sua família o encontrasse. Longe de querer estetizar sua condição, a sua presença aqui, além de ser a realização de um pedido, também escancara outro lado das políticas públicas da maioria das cidades brasileiras: ao invés de promover acolhimento, elas investem em abandonos e na desertificação do espaço público, tratando pessoas em situação de vulnerabilidade apenas como indesejadas ou até como “inimigas”, construindo grades para afastá-las do espaço.


Processos Cartográficos


Registros de intervenções realizadas na cidade de Uberlândia, MG.
Balizas III, 2020

Tinta acrílica, concreto, ferro e solda. 0,60 x 0,90 x 0,17 m
Balizas II, 2020

Tinta acrílica, concreto, ferro e solda. 0,60 x 0,90 x 0,07 m - díptico (0,60 x 0,40 x 0,07 m - cada)
Balizas I, 2019

Tinta acrílica, concreto, ferro e solda. 0,25 x 1,65 x 0,14 m – políptico (0,25 x 0,25 x 0,14 m – cada)

Linhas desenhadas são formadas por inúmeros pontos ligados entre si, traços de união produzidos a partir da plasticidade do gesto. Todavia, as linhas da série Balizas tratam do oposto: das segregações geradas a partir de traçados que separam, a linha como fronteira. No desenho expandido de Balizas, as linhas pintadas sobre o concreto são representações em escala livre de demarcações geopolíticas, desenhos que evidenciam tensões, desigualdades e desejos.

No políptico Balizas I, estão representadas a parte murada da divisa entre Estados Unidos e México; o Paralelo 38 entre a Coreia no Norte e a Coreia do Sul; as cercas da fronteira sul entre o enclave Ceuta – território espanhol no continente africano – e o Marrocos; a Muralha de Evros entre a Grécia e a Turquia, construída recentemente a pedido da União Européia; e o Muro do Deserto entre Mauritânia e Marrocos, construído em meados do século XX. No díptico Balizas II, estão as fronteiras de Gaza e Cisjordândia, construídas pelo Estado de Israel no século XX. E em Balizas II, a cerca de arame farpado construída pela Índia ao redor de Bangladesh.


Pesquisa Balizas


Paisagem Esculpida II , 2017

Video Full HD, 22 minutos.
Registro de intervenção realizada na cidade de Itanhaém, SP.



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Caderno MUnA 2020



Projeto cinegráfico e diagramação:
DOUGLAS DE PAULA

Edição textual:
BEATRIZ ORTIZ, MIRNA TONUS

Texto e Imagens:
☛ ALAN OJU